História dos meus frios
O sol já ia fraco quando sai de Seabra em direção à Piatã.
Era o mês de junho e o ano de 1986. Na saída de Caldas de Cipó o calor ainda
era intenso e nem eu, as amizades, ou a família conhecíamos o
frio existente em Piatã. Com preocupações naturais, mãe já teria
colocado roupas e agasalhos que trariam confortos de amenização do frio. Piatã
nem era meu destino final. De qualquer forma teria que passar uns poucos dias
por lá e só soube quando cheguei em Seabra. Tinha em mente e no papel apenas
duas cidades: a cidade da apresentação como estagiário da Emater-ba (EBDA) e Mucugê,
local que ficaria instalado por alguns meses até a duração do contrato.
Essa história real que contava para meus alunos quando
estava por apresentar a diferença entre tempo e clima, diz meu filho que sempre
aumento com cada contação. Em resposta que passo para
ele vem sempre a frase que em outros momentos apenas lanço o conteúdo em forma
de síntese. Ingredientes a mais ou menos são coisas de contextos.
Entre Cipó e Seabra estava em meu corpo uma bermuda e uma
camiseta. Em Seabra e antes de chegar ao escritório, além de ter que vestir a calça
obrigatoriamente, o frio já sinalizava para esse evento.
Como disse antes que o sol já ia fraco quando sai de
Seabra em direção à Piatã. Era o mês de junho e o ano de 1986. Atravessei no ônibus altamente convencional e friento por entre as colinas e serras
de Boninal e Nova Colina e com mais frio ainda com chegada a Piatã lá pelas 22
horas. No próprio ônibus utilizei das últimas roupas contra o frio: uma calça
moletom sobre o jeans e uma camisona ainda cheirando a roupa nova da feira
cipoense. Ao sair do ônibus e perguntar aos passantes sobre uma pousada, a voz
quase que não saía em função da tremedeira dos lábios. Ouvi a orientação sobre
uma das duas hospedarias existente em Piatã e fiquei na mais próxima. Duas
idosas, quase gêmeas, apareceram após várias batidas na porta bem maior que
qualquer porta das antigas igrejas e que , aliás, a cidade tinha todo esse
astral Barroco. A mineração dos diamantes, apesar de já despontar o café, o
alho e outras benfeitorias, marcava o desenvolver da arquitetura de Piatã.
Nesse dia que cheguei a Piatã e nos dias seguintes, a
temperatura e pelas lembranças, não passava dos 12°C. Para meu corpo acostumado
com o dia a dia do calor cipoense era quase uma zona polar.
As duas irmãs passaram a chave que não pesava menos de 300
gramas com indicação do quarto. Ao abrir a porta e o frio em perseguição, o
barulho veio em forma de créééé. Recuei um pouco e mais atrás percebia o
sorriso das idosas que já sinalizavam um boa noite e que eu ficasse à vontade.
Pensei em ficar à vontade. Respirava conforme as aulas de ioga que fazia no último
andar do Grande Hotel de Cipó. Entrei e o colchão alto indicava que poderia ter
uma boa noite mesmo. Ao sentar, veio novamente o crééééé. Deitei
com olho firme numa teia de aranha que seguia da cabeceira à lâmpada quase que
em nebulosa pela sujeira presente. Não bastasse o grande frio, o mofo da colcha
de chenille, as molas enferrujadas, de crédito, ainda ouvir o toc toc na grande
porta para mais de meia noite e ao perguntar quem é, a resposta veio como o
nome: - Polícia!
Abri e já foram perguntando por meu nome e de imediato: - Nourivaldo Ferreira Cruz. Seguiu de o que veio fazer e já em respostas sem
vírgulas e pausas apresentei-me como novo funcionário da (Ematerba) EBDA e estaria amanhã me apresentando a Alencar, gerente da empresa.
Argumentaram
antes do até logo que todo forasteiro que chega naquele horário, naturalmente,
a polícia faz investigações além das crianças e alguns pais que apareceram até a delegacia
para informações de que o ‘papafigo’ estava na cidade todo de branco.
Acordei cedo e lá estavam as anciãs sorridentes e ao pé do
grande fogão de lenha com o café farto à minha espera. Temperatura muito baixa e
pensei no banho. Tudo bem que fui ao banheiro e olhei um chuveiro simples
dos que tem lá em casa atualmente. Não vi instalações elétricas e já
argumentando uma desistência, desisti de desistir e nessa redundância, ainda
ouvi de uma das anciãs de que a água estava quente e os canos em ferro antes de
chegarem ao destino final, passavam pelo fogão.
Abri a torneira e a fumaça sinalizava que o banho seria
gostoso e o café já aos olhos animava o tempo. A temperatura já não
significava o assombro de meu pensamento. Um mês fiquei em Piatã. Ainda recebi e
antes do primeiro salário daquele ano de 1986, outro moletom. Chegou como mais um presente através
de minha irmã Marize que mandou naquele ano de 1986, pelo malote, se não me
engano, do Baneb.
Essas lembranças todas que ficam no cerebelo, na parte das oralidades, foram todas, não em função das aulas que não são mais do meu dia a dia, mas das baixas temperaturas que abrangem o município de Piatã da Bahia nesses meses de meio de ano e é um dos municípios mais altos da Bahia. Hoje, passo um tempo em Salvador e perto do Piatã de cá, à beira do mar que tem também um espetáculo a mais: a dança das areias pelas ruas durante os ventos de julho. De qualquer forma, não é uma lembrança e á é outra história.
Noure Cruz - 05/07/2017
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