5 de julho de 2017

História dos meus frios


O sol já ia fraco quando sai de Seabra em direção à Piatã. Era o mês de junho e o ano de 1986. Na saída de Caldas de Cipó o calor ainda era intenso e nem eu, as amizades, ou a família conhecíamos o frio existente em Piatã. Com preocupações naturais, mãe já teria colocado roupas e agasalhos que trariam confortos de amenização do frio. Piatã nem era meu destino final. De qualquer forma teria que passar uns poucos dias por lá e só soube quando cheguei em Seabra. Tinha em mente e no papel apenas duas cidades: a cidade da apresentação como estagiário da Emater-ba (EBDA) e Mucugê, local que ficaria instalado por alguns meses até a duração do contrato.
Essa história real que contava para meus alunos quando estava por apresentar a diferença entre tempo e clima, diz meu filho que sempre aumento com cada contação. Em resposta que passo para ele vem sempre a frase que em outros momentos apenas lanço o conteúdo em forma de síntese. Ingredientes a mais ou menos são coisas de contextos.
Entre Cipó e Seabra estava em meu corpo uma bermuda e uma camiseta. Em Seabra e antes de chegar ao escritório, além de ter que vestir a calça obrigatoriamente, o frio já sinalizava para esse evento.
Como disse antes que o sol já ia fraco quando sai de Seabra em direção à Piatã. Era o mês de junho e o ano de 1986. Atravessei no ônibus altamente convencional e friento por entre as colinas e serras de Boninal e Nova Colina e com mais frio ainda com chegada a Piatã lá pelas 22 horas. No próprio ônibus utilizei das últimas roupas contra o frio: uma calça moletom sobre o jeans e uma camisona ainda cheirando a roupa nova da feira cipoense. Ao sair do ônibus e perguntar aos passantes sobre uma pousada, a voz quase que não saía em função da tremedeira dos lábios. Ouvi a orientação sobre uma das duas hospedarias existente em Piatã e fiquei na mais próxima. Duas idosas, quase gêmeas, apareceram após várias batidas na porta bem maior que qualquer porta das antigas igrejas e que , aliás, a cidade tinha todo esse astral Barroco. A mineração dos diamantes, apesar de já despontar o café, o alho e outras benfeitorias, marcava o desenvolver da arquitetura de Piatã.

Nesse dia que cheguei a Piatã e nos dias seguintes, a temperatura e pelas lembranças, não passava dos 12°C. Para meu corpo acostumado com o dia a dia do calor cipoense era quase uma zona polar.
As duas irmãs passaram a chave que não pesava menos de 300 gramas com indicação do quarto. Ao abrir a porta e o frio em perseguição, o barulho veio em forma de créééé. Recuei um pouco e mais atrás percebia o sorriso das idosas que já sinalizavam um boa noite e que eu ficasse à vontade. Pensei em ficar à vontade. Respirava conforme as aulas de ioga que fazia no último andar do Grande Hotel de Cipó. Entrei e o colchão alto indicava que poderia ter uma boa noite mesmo. Ao sentar, veio novamente o crééééé. Deitei com olho firme numa teia de aranha que seguia da cabeceira à lâmpada quase que em nebulosa pela sujeira presente. Não bastasse o grande frio, o mofo da colcha de chenille, as molas enferrujadas, de crédito, ainda ouvir o toc toc na grande porta para mais de meia noite e ao perguntar quem é, a resposta veio como o nome: - Polícia!
Abri e já foram perguntando por meu nome e de imediato: - Nourivaldo Ferreira Cruz. Seguiu de o que veio fazer e já em respostas sem vírgulas e pausas apresentei-me como novo funcionário da (Ematerba) EBDA e estaria amanhã me apresentando a Alencar, gerente da empresa.

Argumentaram antes do até logo que todo forasteiro que chega naquele horário, naturalmente, a polícia faz investigações além das crianças e alguns pais que apareceram até a delegacia para informações de que o ‘papafigo’ estava na cidade todo de branco.

Acordei cedo e lá estavam as anciãs sorridentes e ao pé do grande fogão de lenha com o café farto à minha espera. Temperatura muito baixa e pensei no banho. Tudo bem que fui ao banheiro e olhei um chuveiro simples dos que tem lá em casa atualmente. Não vi instalações elétricas e já argumentando uma desistência, desisti de desistir e nessa redundância, ainda ouvi de uma das anciãs de que a água estava quente e os canos em ferro antes de chegarem ao destino final, passavam pelo fogão.
Abri a torneira e a fumaça sinalizava que o banho seria gostoso e o café já aos olhos animava o tempo. A temperatura já não significava o assombro de meu pensamento. Um mês fiquei em Piatã. Ainda recebi e antes do primeiro salário daquele ano de 1986, outro moletom. Chegou como mais um  presente através de minha irmã Marize que mandou naquele ano de 1986, pelo malote, se não me engano, do Baneb.
Essas lembranças todas que ficam no cerebelo, na parte das oralidades, foram todas, não em função das aulas que não são mais do meu dia a dia, mas das baixas temperaturas que abrangem o município de Piatã da Bahia nesses meses de meio de ano e é um dos municípios mais altos da Bahia. Hoje, passo um tempo em Salvador e perto do Piatã de cá, à beira do mar que tem também um espetáculo a mais: a dança das areias pelas ruas durante os ventos de julho. De qualquer forma, não é uma lembrança e á é outra história.

Noure Cruz - 05/07/2017